quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Educação Liberal - parte final

A educação requer sobretudo essa situação: há o professor e os alunos. Querem um plano de educação para vocês? Esse, eu sou capaz de inventar, dentro de um universo operacional abarcável. O professor conhece seus alunos, sabe até onde pode levá-los e sabe o que pode fazer, isto é o máximo. A idéia de um plano de educação que abarque toda uma nação, isto para não falar em toda a humanidade, como faz a ONU hoje, é evidentemente simulacro, não existe. Os planos atuais de educação que estão sendo impostos no mundo inteiro pela ONU, que é para a formação do cidadãozinho perfeito da Nova Ordem Mundial, foram inventados na década de cinqüenta por um sujeito chamado Robert Muller, que era discípulo de uma pseudo-esoterista chamada Alice Bailey, uma mulher completamente maluca, da doutrina dos raios cósmicos, que conversava com extra-terrestres; esse cara pega as obras de Alice Bailey, adapta para a formação de um plano educacional mundial e este plano está sendo implantado. Evidentemente isto é uma caricatura grotesca. Quando falo dessas coisas, estou falando de mística verdadeira, coisas que foram acumuladas ao longo de cinco mil anos de judaísmo, dois mil anos de cristianismo, mil e quinhentos anos de islamismo, quase dez mil anos de hinduísmo, não de uma doida americana que conversou com extra-terrestres. Então, o sujeito que aprendeu com esta visionária de extra-terrestres pode fazer um plano para educar o mundo e eu, que aprendi coisa melhor, só tenho um plano para educar vocês. É porque sei o que é educação e esse sujeito evidentemente não sabe. Sei quanto é complexa a educação, o quanto ela requer de contato direto e comprometimento total do professor com seus alunos, porque se trata não apenas de transmitir certos conhecimentos, mas de elevar o indivíduo para a possibilidade de certas experiências interiores, que darão poder à sua inteligência e poder à sua capacidade cognitiva. Educar é transmitir um poder. E esse poder, não posso injetar em você; posso dizer mais ou menos onde ele está e você pode procurar, posso dizer como você pode abrir a caixa e pegar o que é seu. É a partir desse enriquecimento da experiência interior e a partir da idéia de concentração, de continuidade da consciência, que o indivíduo se abre à possibilidade de compreensão desses documentos deixados ao longo das eras. Informar simplesmente a existência disso já é fazer alguma coisa. Mas, além de informar, podemos de vez em quando dar alguma dica de como o indivíduo se torna capacitado para pegar esse legado.
Durante muito tempo, o ensino ocidental esteve consciente disso. Se lemos os escritos dos grandes educadores da idade média como Hugo de São Vitor, Santo Alberto Magno, vemos que o começo das universidades preservou ainda a consciência disso aqui. Por volta do século XV, mais ou menos, a universidade se torna objeto de disputa entre Vaticano e estados nacionais. A partir daí, as universidades vão se tornando, cada vez mais, meios para fins que não são os de seus estudantes. Ainda pertenço à escola antiga: acredito que a finalidade da educação é o estudante, é o indivíduo humano, um cara real. O que ele vai fazer com isso depois simplesmente não é da minha conta. Acho um assinte a promessa de educação para o desenvolvimento, porque estará pressuposto que se vai educar o sujeito para fazer determinada coisa, e que essa coisa vai ter um resultado global x. Ou seja, programa-se a vida inteira do cara. Educação para a paz, educação para o desenvolvimento, educação para a cidadania, tudo isto, no fim das contas, é educar o indivíduo para uma finalidade que não é necessariamente a dele. Então isto não é educação, é programação. A finalidade da educação, tal como entendo e tal como foi entendida ao longo de todos os tempos, é a maturidade. O que o homem maduro vai fazer com o que ensinei é problema exclusivamente dele, ele vai exercer a maturidade dele, não a minha. Quando ele tiver um problema na mão a situação será outra, os dados serão outros e não existe nenhuma possibilidade de um professor antever tudo isso. Isso significa que, uma vez conquistada a maturidade, a finalidade da educação está terminada, acabou, seu educador tem que ir embora para casa. E você se transforma num educador, se quiser, ou vai fazer outra coisa, pois não é só na educação que homens maduros são necessários.
Mas essa total desatenção ao fenômeno da maturidade, aliada a uma atenção excessiva aos usos que a pessoa supostamente vai fazer da educação, faz com que praticamente toda a educação do século XX faça do aluno um meio e nunca a finalidade. Ou seja, a educação se torna serva da política, serva da economia, serva da guerra, serva de qualquer outra coisa e o aluno por sua vez se torna servo desse processo. Acho isso uma imoralidade. Não gostaria de praticar isso. A possibilidade de uma educação que não se encaixe nisso é evidentemente aberta, dentro do próprio sistema democrático, pela possibilidade da educação livre. É claro que a democracia, como qualquer outro regime, também programa as pessoas para serem servas de um plano já dado de antemão, mas ela tem uma vantagem: não cerca o indivíduo por todos os lados, deixa aberta algumas possibilidades. A democracia induz o indivíduo, mas não o obriga completamente. O problema é que geralmente as pessoas não sabem das possibilidades que a democracia deixa em aberto. Ou não sabem, ou as desprezam. As possibilidades de auto-educação e de educação livre são coisas preciosas que existem no regime democrático, das quais temos que tirar proveito de algum modo.
A idéia mesma de que essa proposta educacional se encaixasse de algum modo dentro do esquema educacional vigente é contraditória, afinal de contas o sistema educacional vigente tem a sua finalidade também, a formação profissional e o adestramento das pessoas para a mecânica da democracia. Mas é claro que a educação de massas - pública ou privada - visa a formar massas e não indivíduos, o que quer dizer que se trocarmos todos os alunos, não faz diferença alguma. Mas na educação verdadeira, cada indivíduo é precioso. E, até por isso, pode existir na educação efetiva o fenômeno do aborto pedagógico. Eu mesmo já tive uma boa coleção de abortos pedagógicos, em que vi que, num determinado momento, o florescimento da consciência é totalmente obstaculizado pelo meio. O meio coloca no indivíduo certos conflitos que, ou o paralisam, ou o fazem até recuar. O meio social no qual estamos trabalhando não é inteiramente hostil à educação: deixa uma certa margem em aberto. Mas a capacidade de desestímulo que o meio brasileiro tem para a educação é absolutamente fantástica. A curiosidade é desestimulada e o simples fato de o sujeito querer saber alguma coisa não é considerado normal;
Outro dia estava conversando com meu irmão sobre como, quando pequeno, ele gostava de fazer rádios de pilha. Gostava de eletrotécnica. Inventou isso sozinho, da cabeça dele, foi tentar fazer e aprendeu. E todas as pessoas em torno achavam aquilo muito esquisito e diziam: "por que você está mexendo com isso? Tem que se preparar para ganhar dinheiro."Em muitos meios, não necessariamente nos mais pobres, é assim até hoje.
Vamos pensar na idéia de que o máximo de realismo que se pode ter na vida é pensar apenas em ganhar dinheiro. Ótimo, você se dedica a algo apenas para ganhar dinheiro. Vamos supor que você fabrique copos, mas não porque goste e sim para ganhar dinheiro. No dia seguinte pega o dinheiro que ganhou com os copos e vai comprar água mineral. Mas acontece que o sujeito que abriu a mina e engarrafou a água também fez para ganhar dinheiro. E com o que ganhou, também vai comprar uma outra coisa que só foi feita para dar dinheiro. Então se você compra um sapato, este foi feito para quê? Não para fazer sapato, mas para ganhar dinheiro, o sapato não é finalidade, a finalidade é o dinheiro. Enfim, todas as ações do processo produtivo são exclusivamente meios, e não há uma única coisa que se possa comprar, que valha a pena ser comprada. Ninguém fez nada para que aquilo valesse. A idéia de que a atitude realista e madura na vida é pensar apenas no dinheiro esquece que é necessário que exista algo que se possa comprar com o dinheiro. Que se este algo nunca é a finalidade, é sempre secundário, é sempre sacrificado ao dinheiro. Se eu fizer um objeto ou outro, de um jeito ou de outro, e ganhar a mesma coisa que se fizesse um determinado bem feito, então para que fazer este bem feito? Você faz o seu produto mal feito, ganha seu dinheiro e vai todo contente comprar outro produto que também é mal feito. Isto é uma radical incompreensão do processo econômico. Mas isso é uma coisa que se vê no Brasil. Viajando pelo mundo, não vemos as pessoas agindo assim.
A visão negativa que temos do processo capitalista faz com que o pratiquemos de maneira negativa. Não gostamos dele e por isso o corrompemos. Se fosse socialismo, faríamos exatamente a mesma coisa.
Esse rebaixamento geral das expectativas, dos valores da vida, é um dado constante na sociedade brasileira e é um tremendo desestímulo. Faz com que haja no processo educacional muitos fenômenos de aborto, de indivíduos que vão se desenvolvendo até certo ponto e de repente têm uma crise, um pânico. Uma crise muito comum é a do indivíduo que percebe que, quando está percebendo algo, sabendo algo que os outros não sabem ou não percebem, cria-se uma dificuldade de comunicação. Por exemplo, se você é muito apegado a seu grupo de amigos de juventude, não pode se educar, porque ou você os educa a todos juntos ou vai amadurecer mais do que eles e eles vão se tornar uns chatos para você e não vão gostar mais de você. A educação tem esse preço, aquele que sabe não é facilmente compreendido pelo que não sabe. Muitas pessoas, quando constatam isso, recuam ou caem no seu processo educacional e se castram espiritualmente, para não perder amizades ou apoio familiar, que evidentemente não valem a pena.
Mas é essencial entender, para encerrar, que a definição de educação liberal é a preparação da alma para a maturidade. O homem maduro é o único que está capacitado a fazer o bem para o meio em que está. Porque o bem também tem que ser conhecido. O discernimento entre o bem e o mal não vem pronto; não adianta ter um formulário, os dez mandamentos ou ter o código civil e penal. Isto não resolve muito. O bem e o mal são uma questão de percepção, que tem que ser afinada para cada nova situação que você vive, porque costumam aparecer mesclados. Jesus disse: na verdade amais o que deveríeis odiar, e odiais o que deveríeis amar. Este é todo o problema da educação, desenvolver no indivíduo, mediante experiências culturais acumuladas, a capacidade de discernimento para que ele saiba em cada momento o que deve amar e o que deve odiar. Ninguém pode dar essa fórmula de antemão, mas a possibilidade do conhecimento existe e está consolidada em milhões de documentos. Uma educação bem conduzida pode levar o indivíduo à maturidade do verdadeiro julgamento autônomo.

(fonte: http://www.olavodecarvalho.org/palestras/2001educacaoliberal.htm)

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