quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Dissonância cognitiva



A raposa e as uvas, ilustrado por Milo Winter (1919)

A Raposa e as Uvas

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

A Raposa e as Uvas é uma fábula atribuída a Esopo, que foi reescrita por Jean de La Fontaine. Com pequenas variações, é basicamente a história de uma raposa que tenta, sem sucesso, comer um cacho de convidativas uvas penduradas em uma vinha alta. Não conseguindo, afasta-se, dizendo que as uvas estariam verdes. Muitas vezes por comodismo e por não querer obter, criando desculpas e justificativas enfadonhas. A moral afirmada no final da fábula é algo como:
É fácil desprezar aquilo que não se pode obter
Na Língua inglesa, a expressão "azedar uvas" - derivada dessa fábula - refere-se à negação de um desejo por algo que não se adquire facilmente ou à pessoa que detém essa recusa. Expressões similiares existem em outros idiomas, como na expressão persa: "O gato que não pode alcançar a carne diz 'isso fede'!" A expressão também está presente nos países escandinavos, onde o termo 'azedar uvas' foi substituído por 'azedar sorvas' pelo fato de as uvas não serem comuns em latitudes setentrionais. Na psicologia, este comportamento é conhecido como racionalização (embora seja mais conhecido como redução da Dissonância cognitiva).
No discurso coloquial, a expressão do idioma é aplicada a alguém que perde e não consegue fazê-lo graciosamente. Estritamente falando, deve ser aplicado a alguém que, após a perda, nega a intenção de ganhar por completo. A expressão "Ah, mas são verdes" é utilizada em Portugal quando isto acontece. O provérbio português "quem desdenha quer comprar" é comumente associado a esta fábula.

A fábula

Uma raposa que vinha pela estrada encontrou uma parreira com uvas madurinhas. Passou horas pulando tentando pegá-las, mas sem sucesso algum... Saiu murmurando, dizendo que não as queria mesmo, porque estavam verdes. Quando já estava indo, um pouco mais à frente, escutou um barulho como se alguma coisa tivesse caído no chão... voltou correndo pensando ser as uvas, mas quando chegou lá, para sua decepção, era apenas uma folha que havia caído da parreira. A raposa decepcionada virou as costas e foi-se embora de novo como um ar importante.

Moral

  • Aqueles que são incapazes de atingir uma meta tendem a depreciá-la, para diminuir o peso de seu insucesso.
A dissonância cognitiva é uma teoria da Psicologia elaborado por Festinger e colaboradores em 1956. A teoria diz que é psicologicamente desconfortável para o ser humano conciliar duas experiências cognitivas (percepções; conhecimentos) contraditórias. Isso leva o indivíduo a mudar sua percepção, atitude e/ou comportamento.
Experiências cognitivas contraditórias acontecem em nossas vidas o tempo todo. Por exemplo, você comprou um carro ou roupa nova e percebe que pagou muito caro pelo item. A fim de evitar o desconforto causado pela contradição entre o prazer da aquisição e a sensação de ter sido feito de bobo e pago além do valor real do item, você imediatamente diz para si mesmo (e para os outros também, assim que tiver oportunidade): "Sim, paguei caro, mas este item é de muito melhor qualidade". Pronto, essa justificativa, que pode ser verdadeira ou não, já o deixa mais calmo. A aquisição de uma nova crença ou percepção é uma das 3 formas de minimizar a incômoda dissonância cognitiva.
Vamos a outro exemplo: você tem um relacionamento amoroso com alguém. Num dado momento, você flerta com outro(a) ou trai seu companheiro(a). O que você pensa? "Eu traí meu companheiro(a) porque sinto que ele(a) não me ama"; ou "Foi só sexo, não significou nada para mim"; ou "Meu companheiro(a) não vai nem ficar sabendo, não foi nada de mais"; ou "Isso não aconteceu". Jogar a culpa em outra pessoa, procurar atenuar a importância do fato ou fingir que não aconteceu é a segunda forma de minimizar a dissonância cognitiva.

Aqui cabe uma pausa. O objetivo deste texto é discutir um evento psicológico, a dissonância cognitiva. Os exemplos utilizados podem refletir minha opinião, mas são basicamente universais. Eu acho uma atitude burra pagar caro demais por qualquer item material e tenho certeza que qualquer pessoa (exceto as alienadas mentalmente ou que não sabem atribuir valor real às coisas) também pensa assim. O que muda é a justificativa (Sou rico, posso comprar, quero mostrar que posso, é melhor, é mais durável, etc...). Sobre o  relacionamento amoroso utilizado como segundo exemplo, que pode ter feito os moderninhos adeptos de relações abertas revirarem os olhos com o conservadorismo da minha abordagem, basta uma troca simples: em qualquer tipo de relacionamento (acadêmico, amizade, negócios) uma traição resulta em desconforto psicológico (dissonância cognitiva). Todo ser humano sente isso, com exceção dos indivíduos acometidos por distúrbios psiquiátricos graves, psicopatas ou com lesão no córtex cingulado anterior. Ou seja, se você fizer algo sabendo que isso deixará um amigo magoado, se trabalha para a firma X e vende um segredo industrial para a firma concorrente Y, sua postura mental será a mesma do exemplo de relacionamento amoroso usado acima: jogar a culpa em outra pessoa, procurar atenuar a importância do fato ou fingir que não aconteceu. São estratégias mentais que efetivamente ocorrem. Aqui foram utilizadas em exemplos de dissonância cognitiva que emergiram após um julgamento/ação negativo ou errado.

Como último exemplo, vamos trabalhar o ponto de forma inversa: a terceira e última forma de driblar situações de dissonância cognitiva é particularmente útil, e pode ser positiva, embora também possa ser instrumento de manipulação. A terceira forma se dá através da mudança de crença, opinião e comportamento. Crença, opinião e comportamento estão intimamente relacionados. Isso significa que uma mudança em qualquer um deles leva a uma mudança nos demais. Vou repetir, pois isso é extremamente importante: a modificação em QUALQUER um deles leva a uma mudança em TODOS os demais. Quer ver como isso funciona?
Imagine que você trabalha com um grupo de pessoas. Certo dia, você vai fazer uma visita a um outro grupo. Neste outro grupo, você é muito bem tratado e é bombardeado com milhares de informações novas e maravilhosas sobre como aquele grupo é especial, sobre como eles tem um plano de trabalho fácil, sobre como as condições de trabalho são uma beleza. Pode até ser que tudo isso no outro grupo seja só fachada, mas você não tem como saber e subitamente sua opinião sobre seu próprio grupo de trabalho muda. Pronto, aparece em você uma dissonância cognitiva. Como já sabemos que ninguém fica em dissonância cognitiva, você: muda de grupo (podendo ou não se arrepender depois) o que implicará uma gradual mudança de comportamento e do que você acredita; ou continua no seu grupo, mas para não se sentir infeliz começa a empregar consideráveis esforços para melhorá-lo (mudança de comportamento). Você volta a sentir feliz e confortável (mudança de crença).
No contexto religioso, é muito comum a utilização de pontos modificadores de comportamento, que facilitam enormemente a conversão de novatos. Alguns exemplos de sucesso: obrigação de rezar 5 vezes por dia em determinada posição; sentar-se e levantar-se várias vezes durante o culto, entoando frases específicas em grupo; cantar e bater palmas durante o culto; balançar o corpo ou adotar posições específicas por períodos prolongados e/ou diários; entoar cânticos ou sons vocálicos todos os dias; proibição de alimentos ou vestes específicas por motivos divinos. Todas estas mudanças expressivas de hábitos/comportamentos que um novato obrigatoriamente precisa seguir a fim de ser aceito como membro, são instrumentos infalíveis de conversão, que obviamente resultam em profunda alteração de opinião e crença. Note que muitas vezes o novato dá início às mudanças de comportamento de forma inocente, inconsciente e automatizada, o que leva não apenas a mudança de opinião e crença, mas à devoção cega. Estas técnicas (entre outras 95 possíveis) foram/são utilizadas por líderes de seita como Jim Jones, Reverendo Moon, Marian Keech, Ron Hubbard, A.C.B. Swami Prabhupada, Chuck Dederich, Werner Erhard, e por outros tantos enganadores, inclusive brasileiros - vide a abundância de seitas bizarras neste país... creio que só não existem ainda registros de suicídio coletivo pois os pastores não querem perder suas fontes de dinheiro fácil.
Embora a terceira forma de lidar com dissonâncias cognitivas possa ser um instrumento de manipulação em potencial, saber que isso existe e como funciona também pode ter aplicações positivas, como na melhora de comportamento. Estar ciente de que a mente e o corpo respondem bem a condicionamentos nos dá a oportunidade de escolher que tipo de auto-treinamento e resultado queremos para nossas vidas.
Como a dissonância só surge quando fazemos algo estúpido para alcançar um desejo, a moral da estória é clara: pense antes de fazer e tenha bons objetivos.